|:| Corpus Compartilhado Diacrônico: cartas pessoais brasileiras |:| Célia Lopes {celiar.s.lopes@gmail.com} e Silvia Cavalcante {silviare@gmail.com} |:| carta 04-OC-10-04-1891 |:| Autor: Oswaldo Cruz |:| Destinatário: Emilia |:| Data: 10 de abril de 1891 |:| Versão modernizada |:| Encoding: UTF-8 Jardim , 10 de abril de 1891 . Minha boa Miloca Miloca ! . . É esta a palavra que me parece ouvir a todo o instante ; é este ente , para o qual convergem todos os meus pensamentos , que aparece diante de meus olhos a todo o momento em todos os lugares ; é ele que sempre risonho se me apresenta , consolando-me dos infortúnios ; é a ele a quem eu adoro com todo o fervor , a quem dirijo todas as minhas preces ; e é a ele a quem , agora , eu peço um sorriso , um carinho , um consolo . Eram hoje 6 horas da manhã , quando os tímpanos do telefone advertiam que alguém desejava falar conosco : era teu Pai que me chamava para tratar-lhe o ferimento da perna . Impossível é descrever-te , meu querido anjo , a tempestade que se passava dentro de mim : era necessário que eu [pag] fosse à tua casa , que fosse em pessoa ver aqueles lugares em que nós estivemos juntos , o lugar em que nos despedimos , aquele em que me foste dada , enfim era necessário que se despedaçasse o meu coração , que todo o meu ser se transformasse em lágrimas ; que fazer ? lá fui . Encontrei felizmente a casa isolada ; teu Pai tinha ido ao Vidigal , Julia acalentava a filha que chorava , entrei para a saleta ; estava tudo disposto como no último dia em que estivemos juntos ; aquela cadeira de braços em que estiveste sentada lá estava ; a outra cadeira pequena onde eu sentado , recebi de tuas mãos a pulseira , que guarnecia teu lindo braço e que hoje muda ao meu é meu único consolo , meu único alívio , jazia ao pé da outra . Excusado é te dizer que não pode ficar alí por muito tempo ; dirigi-me à janela para furtivamente enxugar as lágrima , que , quentes , apaixonadas , corriam-me pelas faces ; mas , oh desespero , com toda a nitidez se me afigurou o quadredoque de manhã [pag] se tinha passado neste outro pontos tu , recostada ao peitoril , lavada em lágrimas , fugindo à curiosidade infantil da Miuça , que se comprazia em ver o teu martírio . Fugi á aí e fui para a sala de jantar , onde solucei muito e muito para aliviar o meu desgraçado coração . Estava entre aberta a porta de teu quarto ; furtivamente , ás escondidas cheguei até ele e olhei para o interior ; ao abrir a porta um aroma angélico me cercou , fiquei como que endeusado com aquela fragrância que me fazia corajoso para suportar o atroz peso da cruel separação ; vi o teu leito , vi o teu cobertor cor de rosa , e , não me pude conter , minha Miloca , perdoa-me a ousadia , atirei-me para ele doido e beijei-o muito , muito e muito ; estes momentos , meu anjo , juro-o , passei-os feliz . Estava eu assim alagado em lágrimas , recordando-me daqueles instantes felizes de minha vida , que passava ao lado de ti quando ouvi o rodar de carro [pag] que trazia teu Pai ; mudei a fisionomia , fingi-me de alegre e fui pensar-lhe a ferida , que felizmente está quase sanada . O martírio por que passei hoje , como vês foi grande . Adeus , minha idolatrada Miloca , lembranças à boa Dona Elisa e a todos Aceita e transmite à tua boa Mãe e a todos as saudades de todos daqui de casa , onde imperam despoticamente a tristeza e a saudade Aceita , minha amorosa e boa noiva , um beijo ardente de teu saudoso noivo que te adora Oswaldo P. S. Miloca não deixes de pôr nos sobescritos das cartas que me dirigires a palavra “ Rio de Janeiro ” porque do contrário elas não vem ter aqui . Me escreve todos os dias , sim ?